Caso Paola Carosella: quais os efeitos societários da dita “estratégia”?
No final de maio de 2022, a chef de cozinha, Paola Carosella, ex-jurada do programa Masterchef, concedeu uma entrevista à jornalista e apresentadora Ana Paula Padrão. Contudo, uma de suas declarações viralizou nas redes sociais e chocou muitos internautas, incluindo alguns que consideraram a atitude da chef uma conduta de má-fé.
Vejamos, a chef alegou que na época não tinha capital suficiente para abrir o seu restaurante, dessa forma, buscou sete investidores argentinos para constituir sociedade. Ademais, também deu a entender que ela seria uma sócia de serviço (isto é, um sócio que contribui com o seu labor e não financeiramente), e os demais, sócios de capital (também chamados de sócios patrimoniais).
De início, supondo que esta informação seja correta, já sabemos que a sociedade da qual Paola fazia parte não deveria ser uma sociedade limitada, isso porque, para esse tipo societário é vedada a existência de sócios de serviço, conforme art. 1.055, §2º, do Código Civil. No mais, não temos muito como saber outras informações acerca da participação de Paola em termos societários.
Dando continuidade a alegação da chef, ela assume que deliberadamente abandonou o seu negócio para deixar o faturamento cair por cerca de 3 meses, possibilitando que após este período de baixa ela conseguisse fazer uma oferta de aquisição do restaurante em melhores condições.
Você, leitor, deve estar se perguntando “e pode isso?”. Neste artigo, vamos analisar juridicamente se houve alguma possibilidade de ato ilícito cometido na “estratégia” da cozinheira.
No que se refere à conduta de baixar o faturamento propositalmente, entende-se que caso confirmada e mediante o procedimento probatório adequado, essa conduta poderia acarretar em:
- Violação dos deveres de sócia.
Em caso da Paola, ser sócia do negócio, as suas condutas poderiam caracterizar violação do dever de lealdade, este que é inerente ao estado de sócio (status socii).
Entre as consequências poderíamos ter: (i) fundamento para ajuizamento de ação de dissolução parcial de sociedade por exclusão; (ii) Caracterização de justa causa para eventual exclusão extrajudicial; (iii) fundamento para suspensão dos direitos de sócio.
- Violação dos deveres fiduciários enquanto administradora.
Em caso da chef, ocupar o papel de administradora, potencialmente houve violação do dever de lealdade e do dever de diligência.
As consequências poderiam envolver o seu afastamento do papel de administradora e/ou o ajuizamento de ação de responsabilidade civil contra Paola.
- Violação dos princípios gerais do direito societário.
A conduta de Paola também poderia configurar violação dos princípios gerais do direito societário, como o princípio da boa-fé objetiva, inerente aos contratos empresariais.
Dentre as consequências, poderíamos ter um fundamento para eventual pleito indenizatório, a partir das regras gerais do direito privado, bem como mais um argumento para os demais cenários já supramencionados.
A “estratégia” adotada por Paola foi considerada, em suas próprias palavras, arriscada. Mas, e se ela tivesse tido uma assessoria jurídica adequada durante a constituição da sociedade, quais outros caminhos poderiam ter sido percorridos para que ela não precisasse quebrar a confiança e credibilidade perante os seus investidores?
- Incluir regra de opção de compra de participação societária.
A chef Paola poderia ter negociado, ao constituir a sociedade, uma opção de compra, conhecida como ‘call option’ das quotas/ações detidas pelos demais sócios, em termos que fossem economicamente interessantes para os investidores e não tão onerosos para Paola.
- Contratação de mútuo (conversível ou não).
No lugar de constituir uma sociedade com sócios investidores, Paola poderia ter optado pela celebração de contratos de mútuo (conversíveis ou não) junto aos terceiros investidores. O resultado seria a capitalização necessária para o investimento no restaurante, junto à possibilidade de pagamento do valor emprestado, sem o estabelecimento inicial de vínculo societário.
- Outras regras da governança corporativa.
Caso a motivação para adquirir a participação dos sócios não tenha sido exclusivamente financeira, mas sim a “aquisição de poder”, poderiam ter sido combinadas previamente outras regras de governança, deslocando para a Paola o poder decisório, independentemente da distribuição societária. Neste caso, algumas ferramentas que poderiam ter sido utilizadas seriam:
- A atribuição de quotas/ações sem voto para os sócios investidores, visto que investidor, em regra, busca retorno financeiro;
- A elaboração de Acordo de Sócios com acordo de voto;
- O estabelecimento de regras prevendo redistribuição de quotas/ações mediante o atingimento de metas.
Diante do exposto, observamos o quanto uma assessoria jurídica pode impactar positivamente nos negócios, incluindo na relação entre sócios. Afinal, a máxima de “o combinado não sai caro” ainda é preceito basilar para a harmonia nas relações sociais.
Por fim, esperamos que você tenha gostado do conteúdo e que ele ajude você a tomar melhores decisões ao constituir uma sociedade com terceiros.
Restaram questionamentos sobre o tema? Entre em contato conosco, a nossa equipe especializada em Direito Societário está à disposição para te auxiliar com uma assessoria jurídica preventiva e reparadora.
Para assistir ao trecho da entrevista acesse o seguinte link
Texto por: Mariah Nunes (Estagiária)
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